Cinco visões de fora: Futebol e brasileiros são os destaques da Copa

Julio Gomes
Editor da BBC Brasil em São Paulo
Estrangeiros se dizem
encantados
com a cordialidade do brasileiro,
sempre disposto a ajudar
A Copa do Mundo vai chegando ao fim.
Faltam apenas dez dias, oito jogos, e já começa a bater a depressão. Como venho
dizendo há tempos, é uma pena que muitos não tenham se dado conta de como este
é um evento bacana, especialmente por trazer ao nosso quintal povos dos quatro
cantos do mundo. Com suas roupas, seus cânticos, manias. É convivendo que se
aprende.
Ao longo destas semanas de Copa do
Mundo, passei por Teresópolis, Goiânia, São Paulo, Praia do Forte, Salvador,
Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza. Ainda faltam Brasília e Rio de
Janeiro até o final do torneio.
Entrevistei e conversei com muita gente de
muitos lugares.
Entre os torcedores, os relatos foram
unânimes ao destacar a cordialidade do brasileiro, sempre disposto a ajudar, em
contraste com a latente dificuldade com idiomas.
Entre jornalistas, que têm menos a
preocupação com a festa nas ruas e mais com as condições de trabalho, as
opiniões tenderam para o mesmo lado.
Não fiz uma mega pesquisa, não
haveria condições para tal. Então decidi pegar os depoimentos de cinco grandes
amigos, cinco jornalistas de nacionalidades diferentes, respeitados, com
história na profissão, Copas e Eurocopas no currículo e que ficaram em
diferentes partes do Brasil. Falei com gente que conheço dos anos vividos na
Europa e em quem confio.
Há elogios e críticas. Diferentes
visões das diferentes cidades e apenas duas coisas em comum no discurso de
todos: uma Copa de incrível qualidade de futebol e marcada pela hospitalidade
dos brasileiros e brasileiras.
Estes são os relatos:
Bassel Tabbal, libanês, 35 anos, foi
correspondente da TV Al Jazeera na Espanha, hoje vive em Doha, Catar
"Esta foi minha segunda Copa do
Mundo, depois de cobrir a da África do Sul. Já havia tido a sorte de vir para a
Copa das Confederações no ano passado, o que facilita as coisas, ainda que
sejam torneios de dimensões muito diferentes. No ano passado, as manifestações
atrapalharam muito a locomoção.
Talvez pelo medo delas neste ano,
encontramos perímetros de segurança muito distantes dos estádios, o que gerou
longuíssimas caminhadas. Passei por muitas cidades, e foi mais fácil trabalhar
nas menores, como Manaus e Curitiba, do que em São Paulo, por exemplo. Na maior
parte do tempo, estive entre São Paulo e Campinas, para cobrir a seleção de
Portugal.
A estrada era boa. Sofri com as
telecomunicações, no entanto. É confuso haver códigos para cada estado, e tive
problemas para fazer envios do material produzido pela baixa velocidade das
redes. Outro problema foram os preços. O país pareceu bastante caro, mesmo
comparado com o que se gasta na Europa.
Os brasileiros tentam,em geral,
ajudar muito e solucionar todos os problemas que enfrentamos. A segurança
pareceu bem controlada, não me senti em perigo em nenhum momento, apesar dos
tantos avisos recebidos antes de chegar ao Mundial. Se sente o ambiente da Copa
sobretudo quando joga o Brasil, enquanto na África do Sul se vivia o Mundial
nas ruas todos os dias."
Duncan Castles, escocês, 43 anos,
vive hoje na África do Sul. Trabalha para o Sunday Times (Inglaterra) e outras
publicações online e impressas da Europa, EUA e Oriente Médio.
"De longe, essa é a melhor das
quatro Copas que cobri em termos de qualidade de jogo. As partidas têm sido
disputadas em altíssimo ritmo e estão mais abertas do que o esperado. A
atmosfera nos estádios tem sido fantástica, com os torcedores brasileiros,
neutros, inteligentemente apreciando e torcendo pelos times que jogam melhor
(por exemplo, na partida em que acompanhei entre Gana e Alemanha, em
Fortaleza). Passei todo o tempo entre Salvador e Fortaleza, acompanhando os
jogos destas duas sedes.
A organização em geral não foi boa.
Foi a pior das Copas em que estive neste sentido. Os projetos de
infraestrutura, que deveriam oferecer benefícios de longo prazo para a nação
(como aconteceu na África do Sul), não foram completados. Existiu uma
dificuldade brutal para chegar aos estádios usando os ônibus de mídia.
Cheguei
a perder parte de um jogo devido a um atraso de duas horas em um dos traslados,
seguido pelo fato de uma pessoa responsável pelos ingressos de mídia argumentar
que, por problemas nos computadores, eu não estava na lista de nomes aprovados
- eu achei meu nome na lista, manualmente, após somente 40 segundos.
Esta será uma Copa lembrada pelo
futebol e pelo grande coração dos brasileiros."
Filippo Ricci, italiano, 47 anos,
vive em Madri como correspondente do jornal Gazzetta dello Sport. Já cobriu
seis Copas das Nações Africanas, além de Copa e Eurocopa
"Estive por três semanas em
Curitiba e encontrei uma cidade bem organizada, tranquila e segura, na qual é
fácil se locomover. Pessoas muito acolhedoras, mas pouca atmosfera de Copa e um
estádio com grande ambiente, mas inacabado. As condições montadas para a
imprensa que cobriu a Espanha no CT do Caju, do Atlético Paranaense, eram
maravilhosas e nos permitiam trabalhar bem. Tudo funcionou bem.
Em Salvador, as coisas foram
diferentes. Uma hora e meia para andar até o estádio, mais ambiente, mas também
mais perigo. A dificuldade para se locomover na cidade era muito maior, assim
como a sensação de insegurança.
Me pareceu ridículo o enorme
perímetro de segurança em volta do estádio. Atrapalha a população local, cria
dificuldades para quem trabalha e não serve para nada."
Javier Cáceres, chileno, 44 anos,
vive em Bruxelas e trabalha para o jornal alemão Süddeutsche Zeitung
"A minha quinta cobertura de
Copa me permitiu o encontro com o Brasil, um país que me fascina desde sempre e
que, nos últimos anos, despertou na Europa um interesse enorme. Foi um
privilégio enorme estar aqui.
Fiquei praticamente o tempo todo em
Belo Horizonte, uma cidade acolhedora e com uma gastronomia de alta qualidade.
À medida em que a Copa avançou, vi como a alegria tomava conta das ruas e
percebi um entusiasmo puro pelo torneio quando saí da cidade e fui à vizinha
localidade de Sete Lagoas, onde não havia jogos.
Um mês não é suficiente para o
conhecimento profundo de uma sociedade. Mas, sim, creio ter compreendido alguns
dos motivos que geraram as manifestações contrárias à Copa e que tanto
dominaram as manchetes da imprensa europeia. Os motivos que originaram os
protestos me parecem ainda mais justos. Falta espaço para caminhar nas cidades,
sobram cimento e arames nos muros das casas.
A Copa nos fez desfrutar muito pelo
futebol fantástico e foi fascinante pisar em um templo como o Mineirão. No meu
modo de ver, a única coisa que tirou brilho da Copa foi a presença militar nas
ruas, que me fez recordar das imagens dos dias mais obscuros da história da
América Latina. Os preços de hotéis foram abusivos e os estádios, de forma
exagerada, viraram verdadeiros fortes - nem toda a responsabilidade por isso é
da organização local, já que a Fifa desempenha um papel importante nesse
sentido.
Em qualquer caso, mesmo antes de ir
embora, já penso em voltar - e logo."
Sid Lowe,inglês, vive há muitos anos
na Espanha. Jornalista do Guardian (Inglaterra)
"Apesar de toda a conversa sobre
caos e pesadelos logísticos, minha experiência no Brasil mostra que todo o medo
não tinha fundamento. As conexões foram rápidas, os voos não atrasaram, os
aeroportos funcionam melhor e são menos burocráticos do que os aeroportos
ingleses. Confiáveis e eficientes. Neste sentido, não há do que reclamar.
Passei a maior parte do tempo em
Curitiba e, ainda que tenha sido menos emocionante do que estar em outras
cidades, foi um lugar confortável para se trabalhar.
Salvador pareceu uma cidade mais
perigosa, mas também mais divertida. Uma cidade viva e com atmosfera incrível,
mais parecida com a imagem que eu tinha do Brasil. Uma combinação
latino-africana que me agradou. Passei rapidamente por Copacabana e me pareceu
um grande ponto de encontro para os fãs. Uma pena que eu mal tenha conseguido
ver o Rio de Janeiro, que era o epicentro da Copa.
A atmosfera nos estádios foi
espetacular e as pessoas maravilhosas, mágicas."
O autor deste blog esteve nos
Mundiais de 2002, 2006 e 2010. As comparações são complicadas. O mundo muda,
nós mudamos, nossas tarefas e necessidades mudam. A nossa foi uma Copa boa com
alguns probleminhas (sem problemões, como muitos esperavam ou torciam).
Como eu esperava, a Copa do Brasil me
lembrou demais da Copa da África, com duas grandes vantagens e duas
desvantagens. As vantagens foram o ambiente dentro do estádio, com uma incrível
atmosfera futebolística (gracias, vecinos!), e as condições climáticas em si,
foi muito mais quente e agradável do que o frio sul-africano.
É verdade que alguns jogos foram
disputados em horários ruins (13h) em cidades quentes. Mas, para o que poderia
ter acontecido na Copa, a verdade é que o inverno ajudou.
A primeira desvantagem foi o fato de
ser este um país em que pouquíssima gente fala algo mais do que o português -
neste ponto, a África levou vantagem por ser um país que tem o inglês como
idioma oficial. Ajudei diversos turistas e colegas de profissão a conseguirem
fazer coisas muito básicas: desde saber a disponibilidade em um hotel até pegar
um táxi para um restaurante específico.
O Brasil é cheio de pessoas
amigáveis, mas não tem estrutura amigável para o turismo. A segunda desvantagem
tem a ver com isso: preços abusivos, especialmente para hospedagem. O que fez
com que muita gente de fora não viesse e fará com que muitas não venham no
futuro - faltou visão em muitos casos. As reclamações se sucederam neste
sentido.
Em relação a Coreia, Japão e
Alemanha, houve uma diferença brutal em termos de mobilidade. Chegar aos
estádios daqueles países era fácil, rápido e barato. Na Copa, vimos o que já
estamos carecas de saber: os sistemas de transporte de nossas capitais são
lamentáveis.
Os estádio ficaram lindos, ainda que,
alguns, claramente inacabados. Prontos o suficiente para a prática do futebol,
que é o que essencialmente importava. Mas houve problemas sérios de falta de
comida, o que é resultado de falta de testes. Os preços foram altíssimos e
pouco condizentes com a baixa qualidade dos produtos. Mas, cá entre nós,
estádio de futebol é pra ver jogo, não pra comer.
De uma forma geral, acredito, o país
terá o importante (e intangível) legado humano. O legado físico, como sabemos,
não foi entregue na totalidade. Mas ainda pode ser, por que não? Basta que se
faça o resto das coisas prometidas e inacabadas.
Em termos de futebol, talvez os olhos
de muitos se abram para o jogo lamentável que temos visto, ano após ano, sendo
jogado por nossos clubes em nossos gramados. Mesmo os piores e menos atraentes
jogos da Copa do Mundo foram disputados com qualidade e velocidade
infinitamente superiores ao que estamos acostumados.
Que sirva de exemplo e inspiração.Não são só os cidadãos que precisavam
deste intercâmbio com gente de fora. Nossa turma aqui do futebol também precisa
- e muito - aprender com os "turistas da bola".


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