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SUPLEMENTO JM JORNAL DO MUNDO- JORNAL MULTIMÍDIA EM TEMPO REAL

Ano 6 - Edição 2451-

- Março

2016 -

Fortaleza-Ceará-Brasil

sábado, 9 de agosto de 2014

TERMINAL,UM NOVO TEXTO DE GABRIEL PONTES, SOBRE A TRISTE REALIDADE DE UM MENOR VENDEDOR DE BOMBONS.


Terminal.

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Confira esta e outras histórias em: www.gpontes.wordpress.com
“Bom dia pessoal, desculpe atrapalhar o silêncio da viagem de vocês. Eu me encontro-me aqui, vendeno caramelos de todo sabor. Tem de maçã verde, de uva e iorgute. Eu tô aqui porque preciso ajudar minha família, então peço a colaboração de vocês, boa viagem e fiquem com Deus!”
As mãos encardidas seguravam a caixinha com caramelos de todos os sabores, embora os únicos sabores que tinha fossem uva, maça verde e iogurte. Chegou de mansinho, logo aprontou o olhar sofrido e entoou seu discurso, cantou cada palavra dita exaustivamente durante todo o dia como um padre no cântico de domingo.
Pensou que Deus o esquecera e contra vontade passou a ser fiel à fome, à sede. Quem intercedeu por ele? Quase ninguém! Poucos tiraram dos bolsos as moedas de dez ou de cinco centavos e se quer o olharam no olho, sentiram sua fome, seu o medo, sua solidão, o desabrigo das madrugadas, os perigos, a ausência de um pai, de uma mãe ou de qualquer pessoa que fosse por ele. Quem intercedeu? Quase ninguém.
Fitou os olhos dos que não o ignoraram e agradeceu. Ninguém sabia se tinha nome ou história. Não tinha nada além de caixinhas com caramelos de todos os sabores, que só eram três. Correu ao se aproximar um fiscal e veio para nossa fila, de mansinho aprontou o olhar de lamento e entoou o discurso pronto, cantou seu discurso como um padre cansado no cântico de domingo.
Embora soubesse que esse seria apenas mais um dia da rotina daquele pobre garoto e de tantos outros que estão pelos terminais, entre o que restou da dignidade de um idoso abandonado, de um aleijado desamparado, de um aidético sem pensão, da mãe com o filho doente e tantos outros que usam dali como sustento de sua sub-existência, estava eu esperando o ônibus chegar.
Nas plataformas principais, os fiscais junto à Guarda Municipal ainda conseguem tanger essa parcela marginal da população para não sujar – mais ainda – a visibilidade do local. Nada mais apropriado do que este nome: terminal, já que ali vivem à espera do transporte que o levará à paz prometida, uma passagem cara e árdua que ninguém deseja para si. Sobrevivem dos restos e da caridade de quem ainda acredita que a miséria não é uma escolha.
Enquanto isso um homem revira o lixo, acha um copo de suco (creio eu) pela metade. Cheira-o, toma-o sem esboçar nenhum receio. Quando muitos evitam beber a água do bebedouro disponível aos passageiros, ele está ali a se alimentar dos restos. A se identificar com os restos.
Ajeita a blusa e exibe suas costelas e cicatrizes, percebeu que eu o observava e gesticulou com o dedo do meio de forma ofensiva. Se aproximou dizendo “quem é você pra me julgar? É Deus?” e saiu balbuciando suas palavras de ódio e desespero. Mesmo que tenha me assustado e me prevenido de uma possível agressão física fiquei parado observando seu corpo fino como uma folha de coqueiro ao vento andando vagarosamente e descoordenado procurando a próxima lixeira.
À minha frente, um senhor de certa idade defende ao ver a cena que tem que haver uma ação urgente para tirar os pedintes dos terminais para termos paz, mas continuo em silêncio e não prolongo a conversa. Retirá-los seria apenas uma medida que mascara os problemas da sociedade. É assim que é feito desde os primórdios quando a capital junto a elite se instalou e empurrou dos centros o máximo que pode da pobreza, deixando as pessoas nas margens, amontoados em casas pequenas. E aqueles que nem isso conseguiram, nem mesmo montar sua casa de madeira e papelão, são os mesmos que estão pedindo esmolas nas ruas e terminais.
Mal sabia aquele homem que o seu pensamento que defendia com tanta veemência seria uma das causas principais deles estarem ali. Marginalizados, esquecidos, rechaçados.
Outra mulher se prontificou a dizer que isso era falta do que fazer, que deveriam procurar emprego, nem que fosse de catador de sucata. Provavelmente pela sua “fala clara” e pelas vestes, a mulher parecia ter tido uma boa criação, mas o garoto que vendia caramelos de todos os sabores me fez lembrar Lindoberto, “Pito” como chamávamos.
...Pito passou grande parte da sua infância brincando entre os ônibus nos terminais. Nas oportunidades que sentava com alguém que o alimentava, contava sua triste história. Seu pai era alcoólatra, batia na mãe e foi morto na mesa de um bar com um gargalo quebrado enterrado em sua garganta. Sua mãe, sem condição de manter a casa, foi despejada com ele ainda pequeno e foram parar nos parentes, nas ruas e por fim nos terminais onde era mais seguro.
De lá, Pito passou a vender pastilhas e chicletes junto com sua mãe que um dia sumiu sem se despedir. Não o procurou mais.
Quais eram então as referências daquele garoto? Um homem trabalhador que o amava e amava sua esposa? Não. Suas referências eram os gritos da mãe, o choro ao ser despejada, o enterro sem velório, as palavras de amor que nunca saíram da boca do pai e nenhuma oportunidade de dizer que o amava, não porque não o amava, mas porque ele nunca estava sóbrio para olhar nos olhos do filho sem perder a paciência e açoitá-lo.
E mesmo que tentasse, sem educação, história ou alguém que nele acreditasse, seu futuro não seria diferente. “Ou pedir ou roubar” disse-me, e preferiu pedir. Sua história estava sendo escrita ali, naquelas colunas cinzas que sustentaram seu cansaço e nos bancos que lhe serviam de cama na madrugada. Criei um vínculo com aquele garoto, e todos os dias quando vinha eu comprava pastilhas, ele agradecia e perguntava como foi meu dia.
Mantive esse hábito até que um dia passei de taxi numa rua próxima ao terminal, quase as 3 da manhã e o taxista desacelerou para passar num quebra-molas feito pela comunidade local. Logo à minha frente estava ele, fumando crack junto a outros tantos. Baixei a janela e gritei por seu apelido, ele me olhou e saiu correndo. Nos dias seguintes ele não veio mais.
Apareceu quase um mês depois e tudo que havia de criança nele havia sumido. Suas mãos vazias dessa vez só pediam. Não havia cântico, não havia nada. Passou por mim e me encarou com um olhar cinza, tão sem cor como a própria falta de esperança, eu não o reconheci.
Não me pediu nada, passou direto por mim e por todas as filas.
Meses se passaram e não havia mais sinais daquela criança. Na mesma rua onde se drogava foi encontrado morto. Magro, sem cabelos e deitado em posição fetal.
A tristeza tomou conta de mim e sem perceber fiquei emocionado, com o olhar perdido. Os dois que me levaram a essa viagem nas lembranças olhavam para mim perguntando se eu estava bem. Fechei a cara e calado continuei.
Em poucos instantes aquele garoto terminou a sua fala, já o tinha visto por várias vezes ali, pequenino, pedindo esmolas, e hoje, rapazinho ainda continua com este fardo.
Estava numa grande encruzilhada emocional: não sabia se dava esmola ou se não dava. Só queria a todo custo sair daquele local, de pessoas cansadas, doentes, miseráveis. Não porque eu era melhor que aquilo, mas porque quando se olha nos olhos da falência a mesma toma conta de você e não há como fugir.
Entro no ônibus e deixo minha inquietação na mente, remoendo por todo o caminho, lembrando de Pito e de tantos outros anônimos em situações parecidas, que estão nos terminais à procura de algo melhor, porque metade de alguma coisa ainda é melhor que nada de alguma coisa. Me questionando se um dia a caixinha de caramelos de todos os sabores em suas mãos dará lugar a um lápis, um caderno, um prato de comida, uma junção em oração agradecendo a Deus pela oportunidade de viver de forma mais digna, ou se suas mãos segurarão a arma, o cachimbo e serão presas por algemas militares.
O quanto é cruel um futuro entoando o discurso capitalista que diz ser dada a todos as mesmas oportunidades sem considerar que o homem não é somente altruísmo e sim que existem inúmeros fatores sociais, familiares, geográficos que condicionam aquelas pessoas a estarem naquela situação degradante.
E embora não tenha me despedido de Pito, ao comprar dois caramelos daquele menino, vi em seu rosto um sorriso largo de criança e o desejei boa sorte, coisa que queria ter dito a Pito antes dele pegar o seu ônibus para a eternidade.
Revisão: Gabriela Rocha
Foto:  James Mollison (Where Children Sleep)

Gabriel Pontes

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OPINIÃO : TERMINAL

ÓRION LIMA
TERMINAL

Nesses tempos difíceis em que vivemos, onde a mediocridade impera e a falta
de sensibilidade  reina, ver  um texto focado no cotidiano triste de pessoas abandonadas pela sorte, transformados em parias pela sociedade de consumo, nos deixa esperançosos de que mais brasileiros saiam  ainda da linha da total pobreza e miséria moral. 

Há os que se incomodam com os benefícios que uma parcela enorme da sociedade brasileira hoje usufrui e ha os indiferentes, insensíveis, que condenam o trabalho na infância, como se fosse um crime trabalhar, quando não há  outra opção, como quer o "Estatuto do Menor e do Adolescente". Como se fosse possível sobreviver a fome ou a alienação total, sem tentar alguma saída, mesmo que seja a venda de bombons nos terminais de ônibus ou de outras situações ilícitas.

O texto TERMINAL,  de Gabriel Pontes, poderia ser ficção, mas não o é.  Quem trafega pelos terminais, ou cruza alguns sinais, de corredores movimentados da cidade, se depara com cenas iguais todos os dias.

Há realmente os que se tocam com a dor humana e os que se tornam indiferentes a ela, por julgar que aquele é mais um golpe dado em suas parcas e suadas moedinhas...

Por mais chocante que nos pareça compartilhar a dor dos outros , esse fato é pura realidade e de tanto se repetir, cansa as multidões desesperadas, que enfrentam ônibus lotados todos os dias, indo cedo para o trabalho.

E na verdade, como atenuante, há ainda o "terminal das drogas" usando até mesmo os miseráveis para dar vida fácil e luxuosa aos seus barões.

De quem é a culpa de tudo isso? Para quem apontar o dedo sujo que condena a morte os que buscam no vicio "uma linda e passageira noite de luar"?

Assim nascem e morrem os parias sociais, como aquele favelado que sempre passava a minha porta e pedia um quilo de alimento para seus filhinhos. Qual foi minha surpresa ao descobrir um dia, que  ele não tinha filhos e que todo alimento que  arrecadava ( ele repetia a história de casa em casa), era trocado por pedras de craque.

São histórias de um cotidiano miserável e triste que se repetem em muitas cidades brasileiras, que incharam e expulsaram os mais pobres  para os guetos e favelas da periferia. Seus personagens nada mais são do que aqueles que já não tem esperança, pois foram abandonados a própria sorte pelo poder publico e, por isso, vivem a margem da lei.
O texto de Gabriel Pontes é uma dessas histórias tristes, mas verdadeiras, que bem reflete essa realidade ,que nem todos querem ver e muito menos falar!


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