A CURA PELA VIDA
"Um livro belíssimo, que nos mostra
o homem culto, além do criador.
ÓRION LIMA
O que leva um homem a dedicar uma vida inteira a arte de
escrever? São seus sonhos, desejos, vaidade, ou há algo de oculto nesse mister
divino, a arte de contar histórias? Assis Brasil talvez tenha essa resposta,
mas não quis nos dar, porque tem vivido uma existência dedicada a criá-las,
como se fosse o nutridor dessa necessidade ,que o ser humano adquiriu, com a
experiência tribal, ao lado das fogueiras ancestrais, até que surgisse a
palavra escrita: contar histórias.
E não há nada que expresse mais esse dom, do que a
capacidade de introjetar de si mesmo , a mesma dor, o mesmo grito, vagido dos
que nascem e terão que se perpetuar e se tornar incomuns, para o
engrandecimento da raça humana. Conheço Assis Brasil desde os meus tenros 21
anos, quando fui seu aluno na Escola de Comunicação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Hoje já passei da casa dos 60.
Sua devoção por escrever, criar, me contaminou e moldou por
muitas décadas meu destino. Ouvi muitas histórias de Assis Brasil em primeira
mão, quando eram ainda simples idéias e, comunguei com ele do sucesso de sua
Obra, hoje grandiosa, ímpar e imortal.
Tentei seguir seus passos na literatura, sem imitá-lo, e
terminei por transformá-lo, sem querer, em muitos personagens de meus livros
inéditos, tão rica e viva era a lembrança de um homem moldado para a criação e
para as letras, mais afeito aos caprichos da arte , do que das veleidades e
vicissitudes de uma vida comum, tão pequena entre tantos, que buscam aqui, um
lugar ao sol.
Ainda tenho sua velha maquina de escrever, máquina esta com
a qual criou livros maravilhosos; o original de “O Sol, Deus e Shakespeare” , e
um cem numero de recordações, de papos infindáveis sobre literatura, nos tempos
do Jornal do Escritor e Revista Leitura. De nosso convívio amigável com Fausto
Cunha, Samuel Rawet, José Louzeiro, Osmar Rodrigues Marques. Das viagens aos
congressos literários e da rotina nas redações de jornais.
Foram tempos amargos e ao mesmo tempo felizes. Não tínhamos
liberdade de expressão, mas éramos livres e vivíamos a mesma vidinha de sempre,
entre sonhos, projetos literários. Só que Assis Brasil os concretizava,
metodicamente, enquanto eu aguardava um novo tempo para nascer literariamente.
Ao abrir seu livro “A Cura pela Vida”, foi
como tomar um banho lustral na aura “maldita” que encobre os criadores e vi que
Assis Brasil não mudou muito desde nosso último encontro, no inicio da década
de 90 , quando fui casar no Rio, e em sua casa fizemos uma espécie de
"despedida entre velhos amigos". E com que força essas palavras me
lembraram esse dócil escritor, profícuo nas letras, mestre da criação
literária, criador de tantos personagens:
“Sou um
homem infeliz.
Não demorei muito a me convencer disso na senilidade de um
final de vida. Não vou escrever minhas memórias, pois sobre elas ou por meio
delas nada tenho a dizer. Falo sobre o meu presente, na infelicidade de
sentimentos talvez acumulados durante toda minha existência.
A vida é longa, ao contrário do que muitos pensam ou sentem.
Fico espantado quando descubro que jovens de dezessete, dezenove anos são
brutalmente mortos, assassinados por pessoas medíocres e sem futuro. A vida
também é fúnebre”.
Ao ler esse trecho do inicio de sua obra, descobri o fio da
meada de nossas antigas conversas literárias, onde obra e o criador se
misturam, criador e o criado são um só,pela necessidade de entender a si mesmo
e aos outros. O que nos sobra é essa angústia, esse sentimento embutido, ao
verificarmos a transitoriedade de tudo e o glorioso ou lastimável fim que nos
aguarda.
Assis Brasil tem esse dom maravilhoso de nos conscientizar
através de sua arte. Motivado, novamente por sua obra, em 2012 publiquei meu
primeiro livro “Das Coisas, da Vida e da Morte e de Chico Asa Baixa e escrevi
mais dois outros: Histórias da Crucificação e Viagens, Sodoma pede Socorro. ( Editados pela Saraiva em 2013, na coleção e Books). Assim terminou um ciclo começado em 1968, quando fui seu aluno no Rio.
E mesmo sem ser crítico literário, ao ler sua nova obra,
descobri um novo Assis Brasil, talvez mais filósofo, profeta, visionário e um
pouco mais amargo, facilmente identificado – para quem o conhece a fundo, -
como tudo que criou ao longo desses 30 anos: o mesmo menino que se banhava no
rio barrento de sua Parnaíba, no seu Parnaíba encantado. A mesma eterna Luiza,
prostituta envelhecida, que tanto o marcou em Beira-Rio, Beira Vida, ainda é
viva em seus sonhos.
“Um dia ela o contou que seu homem foi embora e o menino
entendeu que ele – o homem dela- desaparecera silencioso como o rio”. E ela
ficara sem o seu protetor, guardião. E muitos anos se passaram: o menino
cresceu, mudou de cidade, ficou famoso. E finalmente voltou para ver o seu
velho rio, cheio de nostalgias e sofrimentos, em busca de Luíza, envelhecida e
triste, que sofrera por amor e ainda vagueia em suas lembranças.
Eis, pois, a síntese de uma imensa obra que começou com “Os
Verdes Mares Bravios”, o seu primeiro livro, toda ela permeada pelo humano ser,
cheio de filosofias e sem explicação para os mistérios que nos amedrontam e
atormentam: talvez como disse Baudelaire, “a ferida e a faca, a vitima e o
algoz.” E de nada adianta apelar para Edgard Allan Poe, em múltiplos diálogos e
devaneios. O que vemos ao longo de “A Cura pela Vida” é essa necessidade de
saber “o que virá depois”.
Um livro belíssimo, que nos mostra o homem culto, além do
criador. Aquele que sabe brincar com as palavras de uma maneira criadora,
usando o saber de tantos, para alertar nossas consciências. Um reflexo da
sociedade brutal em que vivemos, estruturada nos moldes do mal, que habita em
todos os corações e que convive com nossa hipocrisia e mediocridade. Oculto em
seus mágicos diálogos, há uma tentativa desesperada de “escapar” do destino
atroz que a todos aguarda - a espera de um novo corvo que repita as suas mesmas
sábias palavras: “Nunca mais!”
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