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| A ´PRODUTORA LUCILA MARTINS, CO-DIRETORA COM MARINA FARIAS, DO DOCUMENTÁRIO : ASSIS BRASIL - O CIGANO ERUDITO |
CONFISSÕES DE UM REPÓRTER TRAZ EM PAUTA O ESCRITOR PIAUIENSE ASSIS BRASIL
Querida Lucila acabei de receber o documentário "ASSIS BRASIL - O CIGANO ERUDITO", sobre a obra do mestre Assis Brasil. Ainda não tive tempo de vê-lo, o que farei quarta-feira (16). A tarde , consegui falar por telefone com o Assis, em Teresina. Ele quebrou o fêmur e senti que esta preocupado e só. Aconselhei que ele tomasse o mastruz ( ou erva de Santa Maria), como é conhecida popularmente no pais, pois é um grande cicatrizante dos ossos e anti-inflamatório.
Pedi-lhe autorização fara contar sua história no Rio e ele de pronto me concedeu permissão. Gostaria de ir ao Piauí ( Teresina) para visita-lo, mas estou sem grama suficiente, no momento. O melhor meio de chegar lá para mim seria de avião. Quem sabe se não realizo esse sonho, agora que devo participar do segundo documentário sobre a vida desse piauiense extraordinário, que no Rio foi meu anjo da guarda, professor, amigo, companheiro de jornadas nas letras e no jornalismo, no tempo do golpe militar.
Espero que mantenhamos o contato e realizemos esse sonho (
trabalho ) juntos: divulgar a grande obra desse baluarte das letras nacionais, tão
injustiçado, com mais de 200 livros publicados, entre romances, contos, ensaios
e criticas. Assis Brasil é um capitulo a parte no meu novo livro ( está sendo
escrito): Confissões de um Repórter -
CINQUENTA ANOS DE POIS DO GOLPE.
A CURA PELA VIDA
"Um livro
belíssimo, que nos mostra
o homem culto, além do
criador”.
ÓRION LIMA
O que leva um homem a dedicar uma vida inteira a arte de
escrever? São seus sonhos, desejos, vaidade, ou há algo de oculto nesse mister
divino, a arte de contar histórias? Assis Brasil talvez tenha essa resposta,
mas não quis nos dar, porque tem vivido uma existência dedicada a criá-las,
como se fosse o nutridor dessa necessidade ,que o ser humano adquiriu, com a
experiência tribal, ao lado das fogueiras ancestrais, até que surgisse a
palavra escrita: contar histórias.
E não há nada que expresse mais esse dom, do que a
capacidade de introjetar de si mesmo , a mesma dor, o mesmo grito, vagido dos
que nascem e terão que se perpetuar e se tornar incomuns, para o
engrandecimento da raça humana. Conheço Assis Brasil desde os meus tenros 21
anos, quando fui seu aluno na Escola de Comunicação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Hoje já passei da casa dos 60.
Sua devoção por escrever, criar, me contaminou e moldou por
muitas décadas meu destino. Ouvi muitas histórias de Assis Brasil em primeira
mão, quando eram ainda simples ideias e, comunguei com ele do sucesso de sua
Obra, hoje grandiosa, ímpar e imortal.
Tentei seguir seus passos na literatura, sem imitá-lo, e
terminei por transformá-lo, sem querer, em muitos personagens de meus livros,
tão rica e viva era a lembrança de um homem moldado para a criação e para as
letras, mais afeito aos caprichos da arte , do que das veleidades e
vicissitudes de uma vida comum, tão pequena entre tantos, que buscam aqui, um
lugar ao sol.
Sobrevivemos os anos de ditadura no Rio de Janeiro, assim, mergulhados
na literatura, nos sonhos-ficção que transformamos em realidade. Enfim, escapamos
da fome, da morte e da perseguição direta, ostensiva, dos donos do poder e da
verdade, naqueles tempos sombrios e cheios de amargura!
Ainda tenho sua velha maquina de escrever que comprei por “Duzentos
mil cruzeiros”, máquina com a qual criou
livros maravilhosos: Beira Vida, Rio; o Salto do Cavalo Cobridor; Pacamão; a serie infantil As Aventuras do Gavião
Vaqueiro, e o original “O Sol, Deus e Shakespeare” .
Guardo ainda um cem
numero de recordações, de nossos “acampamentos literários” no seu sitio de
Itaboraí – onde eu era o cozinheiro mó -
, pois ele ainda não casara com Anita; de papos infindáveis sobre literatura,
nos tempos do Jornal do Escritor , lã no alto da Camerino, em pleno coração da Cinelândia
ou nas visitas a Barbosa de Melo ,na Revista
Leitura.
De nosso convívio amigável na Praça do Largo do Machado, com
Fausto Cunha, Samuel Rawet, José Louzeiro, Osmar Rodrigues Marques, o piauiense
Zequinha, o cearense João de Deus Pinheiro Filho, o catarinense Lauro Vandal .
Das viagens aos congressos literários e da rotina nas redações de jornais,
principalmente da Tribuna da Imprensa , de Hélio Fernandes, herança bendita de
Carlos Lacerda.
Foram tempos amargos e ao mesmo tempo felizes. Entre passeatas
sangrentas, bombas de gás lacrimogênio e
balas de verdade, que matavam e como
mataram mesmo! Não tínhamos liberdade de expressão, mas éramos livres e
vivíamos a mesma vidinha de sempre, entre sonhos, projetos literários. Só que
Assis Brasil os concretizava, metodicamente, enquanto eu aguardava um novo
tempo para nascer literariamente.
Ao abrir seu livro “A
Cura pela Vida”, foi como tomar um banho lustral na aura “maldita” que encobre
os criadores e vi que Assis Brasil não mudou muito desde nosso último encontro,
no inicio da década de 90 , quando fui casar no Rio, e em sua casa fizemos uma
espécie de "despedida entre velhos amigos". E com que força essas
palavras me lembraram desse dócil escritor, profícuo nas letras, mestre da
criação literária, criador de tantos personagens, que hoje aos 80 anos vive de
conferencias e dos direitos autorais, em Teresina , Piauí.
É claro que o tempo muda tudo e já não sentimos o mesmo
vigor em suas palavras, ao telefone. A mesma força física que hoje me falta,
embora seja bem mais novo do que o Assis, que sobreu dos males da vida na
juventude , enquanto eu no inicio da maturidade tenha parte do coração, binômico,
não possua a gandula tireoide (retirada graças a um câncer que foi curado) e,
por causa da obesidade tenha que controlar o açúcar e tomar insulina...
Mas não se pode
querer tudo para sempre, mesmo sabendo que somos imortais graças as letras e a
nossa obra, pequena ou grande aos olhos de um povo sem cultura livresca, mas
começa a ver o livro e seus autores com outros olhos. E assim que vejo meu
velho amigo, que hoje se define assim:
“Sou um homem infeliz”
“Não demorei muito a me convencer disso na senilidade de um
final de vida. Não vou escrever minhas memórias, pois sobre elas ou por meio
delas nada tenho a dizer. Falo sobre o meu presente, na infelicidade de
sentimentos talvez acumulados durante toda minha existência”.
A vida é longa, ao contrário do que muitos pensam ou sentem.
Fico espantado quando descubro que jovens de dezessete, dezenove anos são
brutamente mortos, assassinados por pessoas medíocres e sem futuro. “A vida
também é fúnebre”.
Ao ler esse trecho do inicio de sua obra, descobri o fio da
meada de nossas antigas conversas literárias, onde obra e o criador se
misturam, criador e o criado são um só, pela necessidade de entender a si mesmo
e aos outros. O que nos sobra é essa angústia, esse sentimento embutido, ao
verificarmos a transitoriedade de tudo e o glorioso ou lastimável fim que nos
aguarda.
Assis Brasil tem esse dom maravilhoso de nos conscientizar
através de sua arte. Motivado, novamente por sua obra, terminei meu primeiro
livro “Das Coisas, da Vida e da Morte e de Chico Asa Baixa e escrevi mais dois
outros: Histórias da Crucificação e Viagens, Sodoma pede Socorro”, o primeiro
editado pela `Prêmius, de Fortaleza, em 2012 e , posteriormente, os três, pela edição de livros
digitais da Saraiva, (e-Books) ,em 2013.
Assim terminou um ciclo começado em
1968, quando fui seu aluno na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mais uma herança: o conto palimpsesto.
E mesmo sem ser crítico literário, ao ler uma das suas mais
recentes obras, - A CURA PELA VIDA – OU A FACE OBSCURA DE ALLAN POE -, descobri um novo Assis Brasil, talvez
mais filósofo, profeta, visionário e um pouco mais amargo, facilmente
identificado – para quem o conhece a fundo, - como tudo que criou ao longo
desses mais de 30 anos, com uma novidade : O ROMANCE PALIMPSESTO – ESSE ETERNO DIÁLOGO, (MONÓLOGO-FICÇÃO ), COMO ALLAN POE.
Na Cura pela Vida, vi o mesmo Assis menino, que se banhava no rio barrento de sua Parnaíba, no seu Parnaíba encantado. A mesma eterna Luíza, prostituta envelhecida, que tanto o marcou em Beira-Rio, Beira Vida, ainda é viva em seus sonhos.
“Um dia ela o contou que seu homem foi embora e o menino
entendeu que ele – o homem dela- desaparecera silencioso como o rio”. E ela
ficara sem o seu protetor, guardião. E muitos anos se passaram: o menino
cresceu, mudou de cidade, ficou famoso. E finalmente voltou para ver o seu
velho rio, cheio de nostalgias e sofrimentos, em busca de Luíza, envelhecida e
triste, que sofrera por amor e ainda vagueia em suas lembranças.
Eis, pois, a síntese de uma imensa obra que começou com “Os
Verdes Mares Bravios”, o seu primeiro livro, toda ela permeada pelo humano ser,
cheio de filosofias e sem explicação para os mistérios que nos amedrontam e
atormentam: talvez como disse Baudelaire, “a ferida e a faca, a vitima e o
algoz.”
E de nada adianta apelar para Edgard Allan Poe, em múltiplos diálogos e
devaneios. O que vemos ao longo de “A Cura pela Vida” é essa necessidade de
saber “o que virá depois”.
Um livro belíssimo, que nos mostra o homem culto, além do
criador. Aquele que sabe brincar com as palavras de uma maneira criadora,
usando o saber de tantos, para alertar nossas consciências. Um reflexo da
sociedade brutal em que vivemos, estruturada nos moldes do mal, que habita em
todos os corações e que convive com nossa hipocrisia e mediocridade.
Oculto em
seus mágicos diálogos, há uma tentativa desesperada de “escapar” do destino
atroz que a todos aguarda - a espera de um novo corvo que repita as suas mesmas
sábias palavras: “Nunca mais!” (Nota: texto
reescrito e readaptado ao original)
ÓRION LIMA -EDITOR







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