Ativistas e pesquisadores do
movimento negro afirmaram que Marina não tem vínculos com a militância
"Brasileira nata, nascida em Rio Branco - AC, no dia
08/02/1958, do sexo feminino, cor/raça preta", diz o documento do Tribunal
Superior Eleitoral que oficializa a candidatura de Marina Silva à presidência.
Em 2010, quando disputou o Planalto pela primeira vez,
Marina disse querer ser "a primeira mulher negra, de origem pobre,
presidente da República Federativa do Brasil". Quatro anos depois, ela
aparece, segundo o Ibope, na liderança de intenções de voto entre eleitores
brancos, mas atrás de Dilma Rousseff entre os negros e pardos.
Apesar de ser a única entre os três principais candidatos a
dedicar um capítulo inteiro do programa de governo à população negra, a
ex-senadora não é percebida como representante dessa parcela dos eleitores.
Evangélica, filha de mãe mestiça e pai negro, Marina é
analisada com desconfiança por professores universitários, institutos de
pesquisa, coletivos, organizações sociais e ativistas ouvidos pela BBC Brasil.
As críticas mais frequentes questionam a postura da
candidata sobre temas importantes à militância negra. Liberdade para religiões
de matriz africana, registro de terras para comunidades quilombolas,
viabilização de políticas afirmativas, como cotas raciais, e a falta de
vínculos com o movimento foram os principais pontos levantados pelos entrevistados.
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João Jorge, presidente do Olodum, diz que políticas para quilombolas são incompatíveis com agronegócio |
"Ficamos muito felizes que alguém se autodeclare negro,
mas em hipótese alguma Marina representa a luta dessa população", diz o
professor Paulino Cardoso, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores
Negros (ABPN) e pesquisador da cultura afrobrasileira há 30 anos.
]"Somos [os negros] os mais miseráveis entre os
miseráveis no Brasil", afirma Cardoso. "Será que o Estado enxuto que
ela promete, de caráter neoliberal, com Banco Central independente, vai
conseguir financiar nossas políticas sociais? Os negros dependem muito dessas
iniciativas, elas custam mais de R$ 12 bilhões ao governo e são mal vistas
pelas oligarquias", diz o professor.
O comitê de Marina assegurou que a candidata responderia
pessoalmente às questões enviadas sobre o tema pela BBC Brasil. Após desmarcar
duas vezes o compromisso, os assessores deixaram de atender a reportagem.
Aliados
A doutora em psicologia Elisa Nascimento, presidente do
Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros), diz que os aliados
políticos de Marina podem comprometer sua postura em relação à tolerância
religiosa.
À imprensa, Marina Silva disse repetidas vezes defender um
"estado laico". A candidata, entretanto, tem o apoio de importantes
lideranças políticas evangélicas - caso do deputado federal Marco Feliciano
(PSC-SP), que já disse "profetizar o sepultamento dos pais de santo"
e o "fechamento dos terreiros de macumba".
"Tenho visto Marina tentar desvincular religião de seus
posicionamentos, mas fica evidente que suas crenças influenciam sua ação
política. Há neopentecostais que repetidamente desrespeitam o candomblé e a
umbanda. Há terreiros sendo invadidos e destruídos. Religiosos sendo
perseguidos. Marina não se posiciona e tem apoio de alguns dos principais
inimigos destas religiões."
Ouvida pela BBC Brasil, Valneide Nascimento, coordenadora
nacional de política e promoção da igualdade racial da campanha, reconhece
falhas.
"Não detalhar (a política sobre religiões) foi um erro
nosso", disse à reportagem, por telefone.
"Como Marina, eu que sou a coordenadora nacional também
sou protestante e a gente não tinha um acúmulo de conhecimento sobre religiões
de matriz africana", diz. "Nós deixamos de colocar porque não
tínhamos um entendimento sobre como deveria ser, na época."
Valneide, no entanto, nega outra alteração no programa de
governo - no fim de agosto, o PSB eliminou trechos do capítulo destinado aos
direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e
transexuais). A mudança foi justificada na época como "falha no processo
de editoração".
"Não vamos alterar. As religiões estão no programa, o
que faltou foi o detalhamento. Mas vamos anunciar esses detalhes pessoalmente
no dia 20, em Salvador."
Quilombolas
Segundo dados de 2013 da Fundação Cultural Palmares, de pelo
menos 1.281 comunidades quilombolas em processo de oficialização, só 21 tiveram
seus territórios efetivamente titulados, como recomenda a Constituição.
O programa de governo divulgado por Dilma Rousseff não cita
quilombolas em nenhum momento.
Presidenciáveis e a população negra
As políticas direcionadas à população negra propostas nos
planos de governo de Aécio Neves e Dilma Rousseff, principais concorrentes de
Marina Silva na corrida pelo Planalto, são bem mais enxutas que as da candidata
do PSB.
Em seu programa, composto por 242 páginas, Marina é a única
a reservar um capítulo inteiro aos afrodescendentes - e outro a comunidades
tradicionais, incluindo quilombolas.
Aécio, cujo programa completo tem 76 páginas, propõe, em
tópicos, iniciativas comuns a "negros, mulheres, idosos, crianças, LGBT,
quilombolas, ciganos, povos, indígenas e pessoas com deficiência", sem
distinções entre as políticas para cada um dos grupos.
O programa de governo de Dilma (42 páginas) diz defender a
"luta contra a discriminação e a promoção da igualdade racial" como
"tarefas prioritárias", assumindo o "desafio de tornar realidade
a Lei de Cotas no serviço público federal, sancionada em junho de 2014,
garantindo-lhe a mesma efetividade já alcançada pela lei de cotas nas universidades
públicas".
O programa da atual presidente destaca ainda o
"enfrentamento da violência contra jovens negros" por meio da
ampliação do Programa Juventude Viva.
Já Aécio Neves menciona a "implementação de programas
de apoio e auxílio a comunidades quilombolas", além de referências a
"setores vulneráveis" como "mulheres, crianças, idosos,
afrodescendentes, LGBT, quilombolas, ciganos, deficiências, vítimas da violência e
indígenas" (veja mais no quadro).
Além de citar quilombolas 34 vezes, o programa de Marina é o
único a dedicar um capítulo ao tema.
No texto, ela promete "acelerar os processos de
reconhecimento e titulação de terras quilombolas", "melhorar o
abastecimento de água, rede de esgoto e coleta de lixo", "coibir a
especulação imobiliária em áreas de quilombos e arredores", entre outras
iniciativas. Mesmo assim, suas propostas encontram resistência.
"Culturalmente, os limites da negociação de terras para
comunidades tradicionais esbarra na agropecuária. A demarcação nunca vai ser
interesse dos proprietários", diz João Jorge Rodrigues, mestre em Direito
Público e presidente do Olodum, na Bahia.
"Como alguém pode anunciar uma série de políticas para
comunidades quilombolas e ao mesmo tempo ter um dos líderes do agronegócio como
vice?", indaga.
Paulino Cardoso, da Associação Brasileira de Pesquisadores
Negros (ABPN), também é cético.
"Marina se alia a bancos e oligarquias
para fazer o que chama de nova política. Papel aceita tudo. A gente precisa
saber como vai ser feito."
Cotas por dez anos
Os três principais candidatos à presidência nestas eleições
defendem a política de cotas raciais em universidades.
"Marina Silva e nenhuma outra candidatura à presidência
se colocaram (sobre políticas para os negros). A classe política ainda está
muito atrasada nisto."
Jurema Werneck, da Articulação de Organizações de Mulheres
Negras Brasileiras
Em seu programa de governo, a ex-senadora diz
"reafirmar a importância das cotas para população negra brasileira, como
medida temporária, emergencial e reparatória da dívida histórica, com data
prevista para terminar".
Já Dilma Rousseff afirma pretender "tornar realidade a
Lei de Cotas no serviço público federal, garantindo-lhe a mesma efetividade já
alcançada pela lei de cotas nas universidades". Aécio Neves vai na mesma
linha, pregando a "defesa e manutenção das ações afirmativas de inclusão
social, inclusive cotas, em razão de raça".
Viúva do ex-senador Abdias Nascimento, criador do Teatro
Experimental do Negro nos anos 1940 e premiado pela Unesco por seu pioneirismo
na luta pelos direitos da população negra, Elisa Nascimento, a presidente do
Ipeafro, critica o texto do programa da candidata do PSB sobre cotas.
"Ela fala sobre as cotas como medida com data prevista
para terminar, mas não vejo como determinar uma data. Estamos longe de uma
situação social de equilíbrio, sem desigualdades estatísticas entre negros e
brancos", diz.
Segundo o IBGE, 66,6% dos estudantes brancos de 18 a 24 anos
frequentam universidades, enquanto 37,4% dos negros ou pardos estão no ensino
superior.
Ouvida pela BBC Brasil, a coordenação do programa racial de
Marina afirma que 10 anos seriam o horizonte esperado para a transição de cotas
raciais para cotas sociais.
"A gente não quer que o negro fique para sempre
dependendo das cotas", diz Valneide Nascimento.
"O recorte racial nas cotas é necessário, porque
pobreza e racismo são coisas diferentes", contra argumenta Elisa. "O
fator racial é outro e não se resolve com políticas generalistas."
Símbolo
Para a médica Jurema Werneck, da Articulação de Organizações
de Mulheres Negras Brasileiras, a falta de propostas efetivas para a população
negra é um problema comum a todos os candidatos.
A possibilidade de uma presidente negra "é
simbolicamente importante", diz a ativista.
"Mas este é um simbolismo que fala mais do passado, da
luta que o movimento negro travou e que permitiu que ela chegasse lá",
diz. "Marina Silva e nenhuma outra candidatura à presidência se colocaram
[sobre políticas para os negros]. A classe política ainda está muito atrasada
nisto."
Para Thaís Santos, do Coletivo Negro, da USP, a candidata se
declarar ou não negra "não significa muito".
João Jorge,
presidente do Olodum, diz que políticas para quilombolas são incompatíveis com
agronegócio
"Num país onde muitos dos negros não se entendem como
negros, não a entenderão também. Se ela declarasse isso nas propagandas, se
isso fosse parte de sua campanha, era outra coisa."
A biografia da candidata, publicada em seu site oficial de
campanha, não menciona sua cor.
Ainda assim, Dennis de Oliveira, professor da USP e
coordenador do coletivo Quilombação, considera importante que afrobrasileiros
ganhem espaço em esferas de poder - e cita Joaquim Barbosa, ex-presidente do
Supremo Tribunal Federal.
"Marina militou com seringueiros, mas não me lembro de
políticas para a população negra", afirma. "Ela é muito mais
percebida pela questão ambiental do que pela identificação com os negros."
Segundo a coordenadora de políticas raciais, Valneide
Nascimento, "o programa foi construído com a participação de representantes
da sociedade e da militância em todo o Brasil".
Questionada sobre quais grupos de militância
participaram, Nascimento não soube responder. "Eram muitos, a gente
chamava e eles iam." FONTE: BBC DO BRASIL
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