SECA CRIA UM MERCADO
MILIONÁRIO NO PAIS: DA CAIXA D’AGUA A LATA DE LIXO
A
crise hídrica no Sudeste brasileiro pode gerar um impacto negativo para a
economia como um todo, mas tem representado uma enxurrada de novos clientes
para alguns segmentos específicos, que lucram com as torneiras secas.
Produtos
como caixas d'água, calhas, reservatórios, baldes e galões de água mineral, e
serviços como a perfuração de poços artesianos e a distribuição de água em
caminhões-pipa estão assistindo a uma explosão de demanda em função da
expectativa de um racionamento - em especial na Grande São Paulo, onde a
situação é mais crítica.
"Tivemos
um aumento de 506% nas vendas de caixa d'água em janeiro na comparação com o
ano anterior em nossa loja - e uma alta da mesma ordem foi experimentada em Sao
Paulo", diz Clodoaldo Lins, gerente de uma loja da Leroy Merlin na zona
sul da capital paulista.
Segundo
ele, a espera por alguns modelos mais procurados hoje chega a 60 dias, embora
também haja unidades para pronta entrega.
"Temos
vendido cerca de 100 caixas d'água por dia. Às vezes, 150. E nossa sorte foi
ter se preparado, adiantando os pedidos para os nossos fornecedores, porque
sabemos de lojas concorrentes que estão sem o produto."
Lins
diz que, além das caixas d'água, os clientes da loja também estão comprando
todo tipo de recipiente para armazenar água em casa - de cestas de lixo a
caixas organizadoras de escritório.
Caminhões-pipa
são alternativa para consumidores sem água
"Quando
a Cantareira chegou a quase 5% (de sua capacidade), há duas semanas, vendemos
todas as 180 cestas de lixo da loja em 4 horas. Tudo o que pode servir para
reservar água está vendendo bem."
A
concorrente Telhanorte também registrou um aumento expressivo na venda de
caixas dágua na grande São Paulo - da ordem de 600%.
Não
é a tôa que os fabricantes estão tendo de adaptar sua estrutura produtiva e
esquema logístico para atender a essa demanda.
A
Fortlev, por exemplo, uma das líderes do setor, diz que hoje todo o excedente
de produção das fábricas do Espírito Santo, Bahia e Santa Catarina vai para São
Paulo.
"Não
temos mais estoque de caixas d'água. Agora o produto sai da linha de montagem
direto para o caminhão", diz Evandro Sant’Anna, diretor Comercial e de
Marketing da Fortlev.
Sant'Anna
explica que a espera dos clientes também aumentou de 7 a 14 dias para 14 a 28
dias.
Indústria
de água mineral também tem assistido a um aumento da demanda
"Além
disso, também percebemos uma procura maior por cisternas. Temos um aumento de 5
a 10 vezes no número de unidades vendidas", diz ele.
Caminhões-pipa
As
empresas que distribuem água em caminhões-pipa também estão entre as que
aumentaram o faturamento com a crise hídrica.
Distribuidoras
consultadas pela BBC Brasil dizem ter registrado uma alta de 10% a 50% nas
vendas desde outubro de 2014. Alguns clientes reclamam que seus preços também
subiram.
Nilton
Savieto, síndico de 12 edifícios em sete bairros de São Paulo, diz que em
outubro pagava entre R$ 500 e R$ 600 por um caminhão-pipa de 15 mil litros. No
final de janeiro, o preço teria chegado a R$ 900. "E no início de
fevereiro, algumas empresas já me disseram que só conseguiriam entregar a água
por R$ 1.200", afirma.
As
distribuidoras alegam que seus custos operacionais também subiram - e até mais
que o valor repassado aos clientes.
"Em
alguns casos, nossos poços artesianos não dão conta da demanda. Aí precisamos
comprar água de empresas parceiras, que está entre 30% e 40% mais cara desde
outubro", diz Neiva Rodrigues, dona da empresa H2Ondina, de Cotia, há 28
anos no mercado.
"Mesmo
assim, estou muito otimista em relação ao crescimento do negócio nos próximos
anos. Estamos atendendo muito a região central de São Paulo, onde não havia
tanta demanda, e também a zona sul."
No
caso da perfuração de poços artesianos, Carlos Eduardo Giampá, da Associação
Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas) calcula que tenha havido um aumento de
30% nas licenças de construção desde outubro.
"Há
um interesse crescente de condomínios, hospitais e indústrias", diz ele.
Vinícius
Ramos, da Acqualimp, diz que empresa está investindo para expandir produção
"Mas
calcula-se que 80% dos poços perfurados em São Paulo sejam irregulares - e o
número dessas obras deve ter aumentado ainda mais com a crise hídrica."
Investimentos
Animadas
pela demanda mais aquecida, algumas dessas empresas também planejam novos
investimentos e até a contratação de mais pessoal - na contra-mão de outros
setores da economia.
A Acqualimp, que produz caixas d'água,
cisternas e tanques, por exemplo, planeja aumentar em 100% sua capacidade de
produção e contratar cerca de 40 novos funcionários.
"Obviamente,
não sabemos o que vai acontecer com a demanda no ano que vem, se o
abastecimento de água for normalizado - o mais provável é que ela caia para
patamares mais baixos", diz Vinicius Ramos, diretor de varejo da
Acqualimp.
Ele
diz, porém, que dois fenômenos impulsionados pela crise hídrica parecem ter
vindo para ficar. O primeiro diz respeito ao uso mais consciente da água. O
segundo, às incertezas sobre o suprimento desse recurso.
"No
Brasil, muitas casas ainda não têm caixa d'água. Daqui para frente, acho que
isso vai passar a ser uma prioridade", diz ele.
Ruth
Costas e Camilla Costa
Da
BBC Brasil em São Paulo
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